quinta-feira, 30 de março de 2017

Máquina do tempo

  Acho que a vida vale muito mais a pena quando não existem tanto arrependimentos. Ou, pelo menos, quando percebemos que nossos erros nos ajudaram a crescer, e não ficarmos nos martirizando. Quero chegar ao final da minha vida e, quando perguntarem o que eu mudaria se tivesse uma máquina do tempo, eu diria: "nada".
  - Nada mesmo?
  -Nadinha.
  -Não voltaria a nenhum momento se tivesse uma máquina do tempo?
  -Não.
  Infelizmente não sei se serei esse tipo de pessoa. Se me perguntarem, direi que gostaria de voltar para a manhã do dia 24/03/2017. E mudaria tudo. Ou pelo menos poder te abraçar pela última vez.
  Esse foi o dia que levei minha cachorrinha Lore para fazer sua terceira cirurgia. A mais simples de todas, apenas retirar umas pedras dos rins. Ela não sobreviveu.
  Eu deveria ter sentido. Minha Lolo estava tensa, tremendo. Eu deveria tê-la pegado no colo e levado para casa. Não devia tê-la deixado lá, sozinha. Sinto como se tivessem roubado de nós anos juntas. Não era para ela partir tão cedo. Eu não estava nem um pouco preparada para perdê-la.
  Eu ainda não acredito que ela se foi. Passo pela sala esperando vê-la deitada toda abusada no sofá. Fecho a porta do banheiro automaticamente para ela não fazer xixi no tapete. Imagino que ela vá bater na porta do meu quarto para pedir para entrar, com sua carinha meiga e pedinte. Chego em casa e me surpreendo por ela não estar lá balançando o rabinho, latindo e pedindo colo. Tudo parece tão vazio sem a presença desse serzinho. Eu me neguei a aceitar. Perguntei aos céus porque queriam minha princesa como anjinho tão cedo. Provavelmente lá em cima sentiam tanta falta dela quanto eu sinto aqui em baixo. Porque ela era (e é) pura, com o amor mais puro que existe e entendo porque eles a queriam por perto. Mas eu também quero. Eu esperei por um milagre. Esperei me dizerem "foi tudo um engano", "ela voltou à vida". Esperei acordar do pesadelo. Mas o pesadelo era simplesmente a realidade e dessa não tem como acordar. Esperei por qualquer uma dessas coisas por 3 dias, até perceber que não tinha volta.

  Quantos momentos desses ainda passarei na minha vida? Quantas vezes desejarei ter uma máquina do tempo para não perder alguém tão importante para mim? Meu coração está partido e eu sei que será partido no futuro também. Mas não posso evitar de ter medo.

quarta-feira, 15 de março de 2017

Aos 20 anos

  Sentada à penteadeira, observo meu rosto no espelho e um porta-retratos meu aos 20 anos de idade. Passo a mão pela minha pele enrugada e sinto lágrimas se acumularem nos meus olhos. Não posso chorar, não agora. Minha neta está chegando e nós vamos sair. Sempre gostei de passear, mas há muito tempo não é um garoto que me acompanha para tomar sorvete e flertar, só restou-me minha filha e minha neta.
  Não resisto à tentação de olhar novamente à foto. Sei que vou chorar se vê-la, mas é irresistível. Os olhos daquela garota que um dia fora eu me prendem. Seu sorriso me prende. Oh, eu era tão bonita. Minha pele era macia, meu corpo era magro, meu cabelo era preto. Hoje tenho uma pele caída, um corpo que eu não reconheço e meus dedos do pé se misturam devido ao joanete. O que aconteceu com aquele espírito tão aventureiro? Por que nosso corpo envelhece tão rápido? Eu não estava preparada. Minha autoestima diminuía a cada vez que mais anos eram acrescentados. Chorava achando que meu marido não me acharia mais bonita ou atraente, o meu peito caía, minha pele enrugava, minha barriga foi se tornando flácida, a bunda foi tomada pela celulite. Sempre me diziam: “pare de besteira, você é linda” e eu me perguntava quanto tempo essa beleza ia durar e o que achariam de mim quando ela se fosse. Quem sabe seria mais vantajoso nunca ter sido bonita para não sofrer essa perda. O amor seria capaz de resistir à feiura do cruel tempo? Seria tão forte como no começo quando éramos todos jovens, belos e com uma vida inteira pela frente, com tantos sonhos e tanto fogo nos olhos? Eu amei meu marido até sua morte, até depois dela, mas eu não me amava. Eu odiava o que via no espelho, o que havia me tornado.  
  Minha neta entra para atrapalhar meu pensamentos. Ela é linda, tão linda quanto eu fui. Tenho vontade de falar para ela aproveitar ao máximo sua juventude e beleza, para se cuidar para não ficar que nem a avó. Mas sei que ela não vai me escutar, nenhum jovem escuta, em qualquer geração. Eu não ouvi quando minha avó falou.
  Talvez seja tudo uma futilidade para os moralistas que dizem que a beleza não importa. Não nego que não é só a beleza que faz o amor e eu mesma não tinha só essa qualidade, graças a Deus, mas em questão de autoestima, a minha sempre foi baixa, e ter um corpo jovem ajudava a situação a não piorar.
  Aproveite o sol, mas passe protetor para não ter essas manchas que eu tenho. Se alimente bem, faça exercícios, cuide da pele.
  Mas nenhum jovem quer seguir certinhos essas ideias. A vida é muito curta para se preocupar tanto com como você se parecerá no futuro. Só ansiosos como eu eram capazes de chorar ao 18 anos de idade por pensar em como será quando ninguém mais lhe achar desejável, quando você só for “a velhinha fofa que dá vontade de apertar”, mas ao mesmo tempo não querer largar o chocolate ou passar aqueles incontáveis cremes antes de dormir porque está com preguiça.
  Bem, esqueça os conselhos. Corra, minha menina, enquanto suas pernas são ágeis. Abrace forte aquela pessoa amada enquanto pode. Chore e sorria sem medo das rugas. Dance e cante bastante antes de perder a energia. Não se preocupe com a velhice. Eu me preocupo por ela o suficiente por nós duas.
-Tá pronta, vó? – Ela me pergunta.
  Passo meu perfume e coloco meu colar de pérolas. Minhas unhas estão pintadas de um rosa claro. Posso estar velha, mas minha vaidade não me deixa desistir de parecer pelo menos um pouco bonita e desejável novamente. Me levanto, dou um abraço nela e sorrio. Não poderia não passar o batom, então nada de beijos.
- Estou sim, minha querida.

  Ela me dá o braços e antes de fechar a porta ao sair olho novamente para eu mesma aos 20 anos. O que aquela menina diria? Acho que ela também diria que está pronta, seja para o que for.

quarta-feira, 8 de março de 2017

Escreva!

Encarar a página em branco não é fácil. Você pensa, pensa e pensa mais um pouco e nada vem à mente. O que falar dessa vez que as pessoas já não saibam? Que assunto abordar? E o vazio continua encarando e nenhuma palavra é preenchida. Ah meu Deus, eu preciso escrever. Mas o que? Não tenho nada para falar, só sei que preciso. Preciso escrever para viver, para suportar toda a crueldade desse mundo. Mas às vezes dói demais. Dói tanto que não dá para colocar para fora tudo que sinto de uma maneira que pareça boa o suficiente para os outros, e para mim. Por isso continuo encarando a tela em branco, com raiva de não saber organizar os pensamentos e escolher um bom tema. E ela me assombra, essa tela. Me assusta, me faz parecer inútil. Ela parece gritar "Escreva! Escreva! Escreva!" E todos parecem gritam "Escreva! Escreva! Escreva!" E assim a escrita foge de mim.