Hoje eu encontrei um antigo desenho seu embaixo da cama,
amor. Você deve ter esquecido aqui quando foi embora correndo. Lembra quando
você desenhou aquela bebê sorridente no colo da mãe? Não as conhecíamos, mas
você se apaixonou pelo jeito meigo daquela criança sorrir, mesmo sem dente, com
as bochechas enormes e o lacinho rosa preso no pouco cabelo castanho. Então
você a desenhou porque queria que a nossa filha fosse assim também. A gente nem
sabia qual seria o sexo do bebê, mas você tinha certeza que seria uma menina,
como essa do parque.
Esse desenho me fez lembrar dos nossos momentos, meu amor.
De todos eles. Da sua felicidade ao descobrir que você estava grávida, ao se jogar
nos meus braços e me apertar bem forte, com suas pernas balançando e a sua
risada contagiante. Das pintas que pintam as suas costas e de como eu gostava
de passar os dedos por ela. Da sua respiração calma quando você dormia, o único
momento do dia em que você não estava agitada.
Sorrio ao lembrar dos seus passos de dança no meio da madrugada,
com um rabo de cavalo mal feito, seus cabelos loiros balançando no ritmo da
melodia. De acordar e ver você pintando, usando uma velha camisa minha. Sorrio
ao lembrar de você sempre rindo, alegre.
Lembro também dos seus ataques, de você sair correndo de
casa na escuridão e eu correr atrás de você, temendo que fizesse algo estúpido.
Lembro das lágrimas marcando sua face nos piores momentos. Como na hora que
você me abandonou.
Lembro de como você sussurrava "eu te amo" e
também lembro da sua voz quando disse adeus.
E eu não queria lembrar da vez que você descobriu que perdeu
a nossa bebê. Não queria lembrar do seu desespero, da sua dor. E de como você
pegou as suas coisas e partiu, deixando nosso quarto uma bagunça, como se
tivesse passado um furacão por ali. Você era o furacão, meu amor. Você bagunçou
toda a minha vida, mas eu fui feliz na nossa bagunça, na nossa falta de rotina.
Fui feliz com seus cafés ralos, com o peso do seu corpo quando você se jogava
em mim, com o seu sorriso, com a visão de você pintando o pôr do sol, deitada
na entrada da casa. Você foi embora e deixou para trás nossas lembranças, que
tanto me torturam.
Recebi a ligação do seu irmão alguns dias depois de sua
partida. Lembra como ele se preocupava com você? E dos churrascos que nós três
fazíamos no quintal? Então, ele me ligou. Disse-me que você tinha sofrido um
acidente de carro, que você tinha partido de verdade. Eu não consegui
acreditar, porque é inimaginável existir em um mundo que você não exista. Eu
olho para entrada da casa e você não está lá desenhando o pôr-do-sol. Eu olho
para cozinha e você não está lá cantarolando alguma melodia e fazendo seu café
horroroso. E não ter você nos meus braços dói demais.
Acho que tem lágrimas escorrendo pela minha face. Eu olho
para esse desenho da garotinha e penso como teríamos sido felizes com a nossa
própria filha, como tudo teria sido diferente se você não a tivesse perdido,
como eu ainda poderia dizer que te amo e você abrir aquele lindo sorriso.
Mas a nossa menina se foi, e você se foi com ela.