quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Disfarce

   Era uma vez uma bela mulher. Todos a adoravam, pois sua beleza não era apenas externa: ela tinha um brilho mágico. Por onde ela passava, ela fazia amigos, encantando a todos com suas risadas e sua alegria. Mas toda essa felicidade era uma casca. Por dentro havia uma mulher infeliz que usava seu sorriso para esconder a amargura. E toda a tristeza de sua vida provinha de uma pessoa: seu marido, que a humilhava, xingando-a de gorda, grudenta, sebosa, manhosa, irresponsável, estúpida e outros adjetivos deploráveis. Humilhava-a em frente aos amigos e parentes, acrescentando palavrões e rindo como se fosse tudo uma piada. Aquelas palavras feriam, mas nossa heroína disfarçava bem. Brincava, se divertia, mas tudo guardava. Cada palavra era uma facada no coração. Quem a via passar na rua não imaginava o quanto ela sofria, o quanto ela ainda sofre. O quanto se sente solitária ao deitar na cama ao lado daquele homem que ela tanto ama e amou e receber dele nem ódio, apenas indiferença. Ser trocada por uma tela de celular. Ela trocaria tudo por amor. Ela só queria ser amada. Por ele. Ela só queria ser feliz como os que amam e são amados de volta.

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Desculpe-me

  Esse texto é no fundo um pedido de desculpas.
  Hoje eu voltava para casa, com essa alergia típica de inverno do louco tempo carioca (esfria-esquenta-esfria) quando, ao espirrar, um senhor, à porta de sua casa, me diz:
  -Ih, minha filha, também estou com essa alergia braba.
  Eu apenas dei um sorriso amarelo e continuei andando. Uns dois minutos depois, bateu-me um peso na consciência. Aquele velhinho talvez fosse solitário e estivesse apenas querendo uma companhia, ouvir uma voz diferente dos sussurros dos que já se foram. Talvez ele estivesse apenas sendo simpático, sem segundas intenções.
  Então, peço-lhe desculpas, meu amigo. Sei que esse pedido não chegará ao senhor, e, se chegar, talvez você nem se lembre desse episódio que durou 5 segundos. Mas minha consciência fica mais tranquila sabendo que pude externar minha angústia.
  Peço desculpas por não ter te respondido propriamente. Mas espero que entenda que no fundo a culpa não é minha. A antiga eu nunca teria te ignorado. Mas essa antiga eu não existe mais. Ela sofreu decepções cada vez que saiu na rua. Ela não aguenta mais olhos devoradores que a comem inteira e a deixam com vergonha, desejando não estar ali, desejando voltar para casa, trocar de roupa. Ela não aguenta mais velhos com seus sorrisos safados que a enojam. Ela não aguenta mais ouvir um "bom dia" malicioso. Ou encoxadas no metrô. Ou gestos obscenos proferidos por homens sujos. Ou buzinadas e risadas deselegantes. E aí parece que todo ser do sexo masculino que encontramos na rua quer zombar de nós, nos humilhar. Como se eles nos vissem apenas como meros objetos feitos para satisfazê-los. E não sou apenas eu que estou cansada disso, somos todas. Isso acaba com nosso dia, nos deixa mal.

  Então, desculpe, Senhor. Eu percebi que essa não era sua intenção. Mas a sociedade me ensinou a me defender de qualquer ameaça que tenha um órgão sexual diferente do meu.

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Pânico

   Há um tempo entro em estado de pânico cada vez que saio sozinha. Veja, é tanta notícia que aparece no meu facebook ou dá na televisão, que é impossível não ficar neurótica. Então agora cada folhinha de árvore que cai na minha frente me assusta (sim, de verdade, meu coração quase pula da boca quando isso acontece). Cada moto barulhenta, bicicleta que passa perto demais, carro muito devagar. Todo homem sozinho me faz gelar por dentro. Até gritos entre velhos amigos me fazem pular (tenho a impressão que estão tramando algum assalto?), pessoas correndo (às vezes simplesmente se exercitando, mas sempre parecem estar correndo de/atrás de um assaltante).

   Desenvolvi uma quase fobia também de crianças. Sim, crianças. Infelizmente é uma realidade nesse Rio de Janeiro onde crianças em bando furtam pessoas desavisadas como eu. Agora não posso ver nenhum molequinho que me apavoro, das pernas ficarem bambas. Penso a que ponto chegamos de crianças assaltarem e de nos assustarmos com elas, sendo que elas eram para ser a coisa mais pura de nossa humanidade. Infelizmente a sociedade está as corrompendo rápido demais.