quarta-feira, 26 de abril de 2017

Primeira vez

  Hoje eu fui ao mercado para comprar lasanha pronta para o almoço já que estava com pressa. Só mais tarde fui perceber que era a primeira vez que fazia compras sozinha, não que essa informação seja relevante para a história.
  Eu pulava de fila em fila, procurando a menor e, distraída, parei na que tinha menos pessoas. Coloquei a cesta no chão e comecei a mexer no celular. Alguns minutos depois um senhora me para e pergunta, educadamente:
  - Com licença, a senhora está grávida?
  Assim que ela fez a pergunta, minha autoestima foi por água a baixo. Toda mulher (ou quase toda) teme essa fatídica pergunta e o dia que ela irá aparecer. Minha primeira vez nem demorou tanto assim. Minha reação imediata foi olhar para a minha barriga, checar se ela estava mesmo muito grande assim para me confundirem com uma grávida. Eu sei que tinha engordado um pouco devido a quantidade de doce que como, mas estava mesmo tão gorda?
  Soltei um não meio assustado, meio surpreso e a senhora sorriu um pouco sem graça e pude ver nos seus olhos que ela esperava essa resposta, o que me deu um certo alívio. Ela não me achou gorda, afinal.
 - É que a senhora parou na fila preferencial. - disse, apontando para a placa enorme bem à minha frente. Só uma anta mesmo não veria o aviso.

  Sorri, com vergonha e agradeci pelo aviso. Ela não disse por irritação, queria apenas me alertar mesmo para não perder meu precioso tempo numa fila que a caixa poderia se recusar a me atender por um simples erro meu. Acho que meu pânico foi desnecessário, mas, às vezes, no escuro, penso qual será a próxima vez que me confundirão com uma grávida e se a confusão será causada por uma placa ou pelo tamanho da minha barriga. Coitada da minha autoestima.

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Inveja

   Uma vez meu namorado me disse que a pessoa que ele mais amava era o irmão. Senti inveja, admito. Não do irmão, por ser o mais amado. Sei que meu namorado me ama - sou a garota que ele mais ama, e não duvido do seu amor. São amores diferentes, simplesmente não dá para comparar. Senti inveja de não ter uma relação assim. Desejei ter um irmão, ou uma irmã.
   Veja bem, ser filha única tem suas qualidades e quis o destino que fosse assim. Não sou eu que irei julgar as decisões do Todo-poderoso. Acho que até faz sentido eu ser a única filha que meus pais tiveram e eu costumo gostar de ser. Mas, quando vejo uma relação entre irmãos, bate uma solidão por não ter aquele laço. Você pode ser feliz sozinho até olhar como os outros estão felizes se relacionando. Tenho relações próximas, como minhas primas que considero irmãs e, por mais que às vezes elas possam dormir por dias aqui em casa, nós não temos essa ligação rotineira de irmão, as brigas, as piadas, o costume, a intimidade. Há algo mais íntimo nessa vida que um irmão? É sangue do seu sangue, mas mais companheiro que seus pais, uma ligação inquebrável e insubstituível, que nada nem ninguém pode afetar, com quem você pode compartilhar segredos e travessuras, quem fez da sua infância mais alegre e menos solitária.

   Agora se você tem um irmão e menospreza esse laço, o que você está fazendo com a sua vida? Por que jogar fora um presente que tantas pessoas desejam ter e não podem porque não depende deles? Não há nada mais puro que o amor fraternal. Eu tenho uma amiga que não conhece o próprio irmão, já que ele mora em outro estado e é bem mais velho que ela. Penso que deve ser muito triste ser privada dessa companhia, não conhecer alguém tão parecido geneticamente com você. Então, se você tem um irmão, não deixe de aproveitar essa oportunidade. Faça isso por mim e por todos que desejam ter um companheiro de vida.

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Morte, sempre ela

  Eu sempre tive medo da morte. Toda experiência que tenho com ela vira obrigatoriamente um texto. Esse aqui está entalado na minha garganta há meses, esperando o momento certo para sair. Tive a certeza que precisava falar sobre isso quando fecharam o caixão. Aquela era última hora de ver o rosto da pessoa amada antes dela partir de verdade. Ela não estava mais ali, seu espírito já havia partido, mas o fato de termos algo para nos agarrar, mesmo que seja físico, vazio e que parece falso e irreal como um boneco de cera, nos faz não querer que aquele último pedacinho da pessoa se vá.
  Quando fecharam o caixão, eu soube que estava acabado, não tinha mais volta. Não haveria mais sorrisos, mais abraços, mais olhares. Estava fechado para sempre.
  Então, como se não bastasse essa dor, meu coração se apertou quando o caixão com o corpo daquela senhorinha simpática entrou naquele compartimento tão frio, cinza, pequeno e solitário. Então era isso, ela ia passar o resto da eternidade ali, sozinha, fechada. Tão irreconhecível como os outros túmulos ao seu redor. Ali parecia que ninguém era especial, que ninguém tinha tocado vidas diferentes. Todos se misturavam e se confundiam, ninguém se destacava. Ela se tornara apenas mais uma e isso doía.

  Tudo aquilo acabou comigo. Eu não quero ficar sozinha daquele jeito. Eu não quero ser esquecida. Não quero me perder no meio de uma multidão morta.

quarta-feira, 5 de abril de 2017

A vizinha

   Parecia um filme de terror. Uma mulher morreu na casa aqui do lado e ninguém notou, apenas uns vizinhos ficaram incomodados com o cheiro horrível de podre e resolveram investigar. Ela já estava morta há duas semanas e ninguém sentiu falta, quase foi enterrada como indigente. Deve ser horrível ser tão sozinha assim na vida que simplesmente ninguém percebe que você sumiu por tanto tempo.
   Ela morava num casarão, sozinha. Aquele lugar imenso só para ela. Imagino o eco que seus pés solitários faziam no chão.
   Comecei a matutar sozinha a causa de sua morte e um dia verbalizei, perguntando ao meu pai se achava que a mulher havia se suicidado. Veja bem, cabeça de escritor vai longe, já pensei em tudo que aquela mulher podia sentir. Meu pai se espantou com minhas palavras e disse que não. Ela já era uma senhora e devia ter escorregado no banheiro e batido a cabeça. Vou admitir que fiquei um pouco decepcionada. Um morte tão... mundana. Eu, que já havia criado toda uma história para aquela pessoa que nem conhecia não imaginava que ela havia morrido de uma forma tão não-dramática. Eu nem sabia se ela era alta ou baixa, gorda ou magra, negra ou branca, qual era a cor dos seus olhos. Só sabia que ela era minha vizinha e que tinha morrido. Que mundo estranho esse que uma pessoa mora tão perto de você e não se sabe nada sobre ela. Me sinto meio culpada por nunca ter dado atenção para os outros na rua.

   Será que ela tinha um antigo romance? Seria homem ou mulher?  Como fiquei curiosa pela sua vida depois de sua morte. Um fato mórbido, talvez isso mostre o quando eu sou estranha. Todo mundo parece ter esquecido dessa pobre senhora agora que está tudo resolvido e eu aqui continuo pensando em como ela era quando viva. Alegre, resmungona? Será que ela gostava de música para encher o vazio daquela casa tão grande? Será que seu espírito permanece ali, esperando por amor? O lugar me chama, cheio de segredos, mistérios e histórias que eu gostaria de ouvir.