quarta-feira, 15 de março de 2017

Aos 20 anos

  Sentada à penteadeira, observo meu rosto no espelho e um porta-retratos meu aos 20 anos de idade. Passo a mão pela minha pele enrugada e sinto lágrimas se acumularem nos meus olhos. Não posso chorar, não agora. Minha neta está chegando e nós vamos sair. Sempre gostei de passear, mas há muito tempo não é um garoto que me acompanha para tomar sorvete e flertar, só restou-me minha filha e minha neta.
  Não resisto à tentação de olhar novamente à foto. Sei que vou chorar se vê-la, mas é irresistível. Os olhos daquela garota que um dia fora eu me prendem. Seu sorriso me prende. Oh, eu era tão bonita. Minha pele era macia, meu corpo era magro, meu cabelo era preto. Hoje tenho uma pele caída, um corpo que eu não reconheço e meus dedos do pé se misturam devido ao joanete. O que aconteceu com aquele espírito tão aventureiro? Por que nosso corpo envelhece tão rápido? Eu não estava preparada. Minha autoestima diminuía a cada vez que mais anos eram acrescentados. Chorava achando que meu marido não me acharia mais bonita ou atraente, o meu peito caía, minha pele enrugava, minha barriga foi se tornando flácida, a bunda foi tomada pela celulite. Sempre me diziam: “pare de besteira, você é linda” e eu me perguntava quanto tempo essa beleza ia durar e o que achariam de mim quando ela se fosse. Quem sabe seria mais vantajoso nunca ter sido bonita para não sofrer essa perda. O amor seria capaz de resistir à feiura do cruel tempo? Seria tão forte como no começo quando éramos todos jovens, belos e com uma vida inteira pela frente, com tantos sonhos e tanto fogo nos olhos? Eu amei meu marido até sua morte, até depois dela, mas eu não me amava. Eu odiava o que via no espelho, o que havia me tornado.  
  Minha neta entra para atrapalhar meu pensamentos. Ela é linda, tão linda quanto eu fui. Tenho vontade de falar para ela aproveitar ao máximo sua juventude e beleza, para se cuidar para não ficar que nem a avó. Mas sei que ela não vai me escutar, nenhum jovem escuta, em qualquer geração. Eu não ouvi quando minha avó falou.
  Talvez seja tudo uma futilidade para os moralistas que dizem que a beleza não importa. Não nego que não é só a beleza que faz o amor e eu mesma não tinha só essa qualidade, graças a Deus, mas em questão de autoestima, a minha sempre foi baixa, e ter um corpo jovem ajudava a situação a não piorar.
  Aproveite o sol, mas passe protetor para não ter essas manchas que eu tenho. Se alimente bem, faça exercícios, cuide da pele.
  Mas nenhum jovem quer seguir certinhos essas ideias. A vida é muito curta para se preocupar tanto com como você se parecerá no futuro. Só ansiosos como eu eram capazes de chorar ao 18 anos de idade por pensar em como será quando ninguém mais lhe achar desejável, quando você só for “a velhinha fofa que dá vontade de apertar”, mas ao mesmo tempo não querer largar o chocolate ou passar aqueles incontáveis cremes antes de dormir porque está com preguiça.
  Bem, esqueça os conselhos. Corra, minha menina, enquanto suas pernas são ágeis. Abrace forte aquela pessoa amada enquanto pode. Chore e sorria sem medo das rugas. Dance e cante bastante antes de perder a energia. Não se preocupe com a velhice. Eu me preocupo por ela o suficiente por nós duas.
-Tá pronta, vó? – Ela me pergunta.
  Passo meu perfume e coloco meu colar de pérolas. Minhas unhas estão pintadas de um rosa claro. Posso estar velha, mas minha vaidade não me deixa desistir de parecer pelo menos um pouco bonita e desejável novamente. Me levanto, dou um abraço nela e sorrio. Não poderia não passar o batom, então nada de beijos.
- Estou sim, minha querida.

  Ela me dá o braços e antes de fechar a porta ao sair olho novamente para eu mesma aos 20 anos. O que aquela menina diria? Acho que ela também diria que está pronta, seja para o que for.

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