Mary desceu as
escadas indignada, o som de seu salto alto ecoando pelo jardim estridentemente.
Seu empresário, John Ross tentou segurá-la pelo braço pálido, mas a atriz se
esquivou e tentou se aquecer com seu casaco de pele branco, jogado no ombro.
- Miss Mary, por favor, volte para dentro. Está frio e uma
chuva se aproxima.
Era comum a estrela
dar ataques e descer as escadas correndo em direção à rua ladeada por mansões.
Não era a primeira vez. John suspirou alto, já estava cansado de lidar com novas
atrizes que deixavam a fama subir à cabeça e achavam que podiam tudo. E, por
enquanto, podiam, pois eram jovens e belas, mas não talentosas. Elas iriam
envelhecer e então seriam esquecidas pela mídia e por Hollywood, abandonadas no
fundo do poço, sem nada. Mas agora, eram ricas e valorizadas, e Mary era uma
delas. A loira sabia de seu sucesso e sabia que John estava faturando muito com
seus filmes e ia mimá-la, fazendo todas as suas vontades. Ela podia ser fútil,
mas era esperta.
- Ross, já disse que só volto quando tiver meus... - então
Mary parou de falar e deixou os braços caírem ao lado do corpo, olhando espanta
para uma figura minúscula encolhida no muro de pedra, perto do portão.
Era uma garotinha,
com longos cabelos pretos cacheados e volumosos, que contrastavam com a
brancura de sua pele. Ela tremia naquela noite fria com peças de roupa tão
finas e seus lábios tinham perdido a cor. Ela levantou a cabeça e olhou
diretamente para Mary, com o espanto reluzindo em sua face.
Mary apiedou-se da
pobre menina e por um momento esqueceu-se da raiva que sentia e também da
dúvida - como uma menina conseguiu burlar a segurança?
Ajoelhou-se ao lado
da pequena e perguntou-lhe qual era seu nome, percebendo o quão gelada a pele
da magra garotinha estava ao tocá-la. Retirou rapidamente a mão do braço da
menina, sentindo uma sensação estranha passar por seu corpo, algo como...
pavor. Mas logo fez questão de ignorar essa sensação e se concentrar na
criaturinha a sua frente.
- Suzanna, Miss.
- Ah, pobrezinha, você está tão gelada! E aqui está tão
frio! Vamos, entre conosco e terá um belo banho quente e farta comida. Também
deixarei você dormir tranquilamente em um dos quartos, numa deliciosa cama com
uma lareira para te esquentar.
- Srta. Mary, pense racionalmente. Não podemos colocar essa
criança dentro de casa. Você nem sabe quem ela é, de onde veio! Ela pode muito
bem ser uma ladra!
- Ross, menos! Ela é a apenas uma criança, tenha piedade! -
Replicou Mary. - A casa é minha e eu digo que ela entra. Acabou. - Dirigindo-se
delicadamente para Suzanna. - Vamos, querida, venha comigo.
A menina foi
obedientemente. Recebeu todas as regalias possíveis. John estava intrigado com
a garota, como ela havia conseguido chegar até ali, mas, por ora, Mary havia
esquecido do desentendimento e isso era bom. Resolveu então deixar as duas em
paz e retirou-se para seu quarto.
Suzanna estava
confortavelmente instalada em uma enorme cama de casal, num quarto maior ainda.
Olhando para as chamas da lareira, ela ainda sentia sede. Havia conseguido
entrar na casa daquela moça bonita de olhos azuis, típica dos filmes
americanos, com aquele corte de cabelo dos anos 20. Mas ainda não havia
alcançado seu objetivo. Levantou-se então e sorrateiramente procurou pelo
quarto da atriz.
Mary colocou sua
camisola branca e deitou-se embaixo das cobertas para se aquecer, esquecendo
completamente de fechar as cortinas. Por isso, o quarto ficava claro quando os
relâmpagos apareciam no céu e assim pôde ver quando a pequena Suzanna abriu a
porta lentamente. Estava chovendo violentamente do lado de fora, com trovões
extremamente barulhentos. Um raio iluminou o rosto pálido da menina.
- Entre, minha criança. O que houve?
- Desculpe incomodá-la, Miss. Mas eu estou com medo. Posso
me deitar com você?
Mary sorriu, vendo a
menina tremer com o barulho de um trovão.
- Venha, pequena. Deite-se aqui. Suzanna correu até a cama e deitou-se ao
lado de Charlotte, que começou a fazer carinho em seus cabelos.
Raios iluminavam o
quarto periodicamente. Aquela sensação estranha estava dominando Mary
novamente, cada vez mais forte, apertando seu coração. Suzanna podia sentir seu
medo, os batimentos da atriz se acelerando.
Por um tempo,
estavam no escuro, um pouco afastadas, olhando uma para a outra. Assim que
houve outro relâmpago, Mary percebeu que Suzanna havia se aproximado.
Escuro novamente.
Quando clareou, Suzanna estava mais perto e com um sorriso diabólico no rosto.
Mary se encontrava num pavor total, tentando se desenroscar dos cobertores
quando sentiu o toque frio das mãos da menina em seus pescoço, a atriz
esperando por outro clarão. Quando este veio, percebeu que Suzanna estava
colada ao seu corpo agora e não tinha mais como se afastar. Tentou gritar, mas
sua voz ficou presa na garganta.
- Não tenha medo, Miss. - sussurrou Suzanna.
E então veio um relâmpago e viu Suzanna abrir a boca, com
dentes tão afiados e sentiu os dentes da garota cravarem-se em seu pescoço.
Esperou por outro clarão, mas tudo havia se tornado escuro. Para sempre.
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