quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Desculpe-me

  Esse texto é no fundo um pedido de desculpas.
  Hoje eu voltava para casa, com essa alergia típica de inverno do louco tempo carioca (esfria-esquenta-esfria) quando, ao espirrar, um senhor, à porta de sua casa, me diz:
  -Ih, minha filha, também estou com essa alergia braba.
  Eu apenas dei um sorriso amarelo e continuei andando. Uns dois minutos depois, bateu-me um peso na consciência. Aquele velhinho talvez fosse solitário e estivesse apenas querendo uma companhia, ouvir uma voz diferente dos sussurros dos que já se foram. Talvez ele estivesse apenas sendo simpático, sem segundas intenções.
  Então, peço-lhe desculpas, meu amigo. Sei que esse pedido não chegará ao senhor, e, se chegar, talvez você nem se lembre desse episódio que durou 5 segundos. Mas minha consciência fica mais tranquila sabendo que pude externar minha angústia.
  Peço desculpas por não ter te respondido propriamente. Mas espero que entenda que no fundo a culpa não é minha. A antiga eu nunca teria te ignorado. Mas essa antiga eu não existe mais. Ela sofreu decepções cada vez que saiu na rua. Ela não aguenta mais olhos devoradores que a comem inteira e a deixam com vergonha, desejando não estar ali, desejando voltar para casa, trocar de roupa. Ela não aguenta mais velhos com seus sorrisos safados que a enojam. Ela não aguenta mais ouvir um "bom dia" malicioso. Ou encoxadas no metrô. Ou gestos obscenos proferidos por homens sujos. Ou buzinadas e risadas deselegantes. E aí parece que todo ser do sexo masculino que encontramos na rua quer zombar de nós, nos humilhar. Como se eles nos vissem apenas como meros objetos feitos para satisfazê-los. E não sou apenas eu que estou cansada disso, somos todas. Isso acaba com nosso dia, nos deixa mal.

  Então, desculpe, Senhor. Eu percebi que essa não era sua intenção. Mas a sociedade me ensinou a me defender de qualquer ameaça que tenha um órgão sexual diferente do meu.

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